Isenção do IR para doenças graves: entendendo a relação entre arrecadação e saúde no Brasil
- Clivanir Cassiano de Oliveira
- 29 de ago. de 2024
- 8 min de leitura
Atualizado: 24 de jan.
O Imposto de Renda (IR) no Brasil tem uma longa trajetória, iniciada oficialmente em 1922 com a Lei do Orçamento n. 4.625. Apresentava alíquotas entre 0,5% (meio por cento) e 8% (oito por cento), com uma faixa de isenção, e com o transcurso do tempo, foram surgindo tabelas progressivas. No Brasil, um dos grandes defensores deste tributo foi Rui Barbosa. Nos Estados Unidos, o tributo tem sua origem no Tariff Act de 1909, enquanto, na Inglaterra, o Imposto de Renda foi instituído inicialmente como uma medida para aumentar a arrecadação durante os períodos de guerra.
A história nos ensina que, em todas as áreas do direito, normas, leis e costumes mudam conforme as necessidades econômicas. Um exemplo marcante é o da Inglaterra, que no século XVIII foi a maior traficante de escravos. No entanto, quando seus interesses econômicos mudaram, o país se tornou um dos principais defensores do fim do comércio negreiro. Isso ilustra como, muitas vezes, as prioridades econômicas de uma nação influenciam o que é considerado direito ou não, mesmo que essa influência não seja explicitamente reconhecida, evidenciando a interdependência entre economia e direito.
No Brasil, na Constituição de 1934, o tributo passou a ser denominado "imposto de renda e proventos de qualquer natureza" (art. 6º, I, C), e essa designação foi mantida nas constituições subsequentes, incluindo a atual Constituição Federal de 1988. Desde então, o IR passou por diversas transformações, incluindo a adoção de tabelas progressivas, sempre com o objetivo de equilibrar a arrecadação conforme a capacidade contributiva dos cidadãos. Com o tempo, esse tributo tornou-se uma ferramenta crucial não apenas para o financiamento das despesas públicas, mas também para influenciar a economia nacional.
O conceito de renda pertence à área da economia, não ao direito. Já o conceito de proventos pode variar conforme o doutrinador, mas geralmente se refere a valores provenientes do serviço público ou de benefícios previdenciários. O artigo 43 do Código Tributário Nacional (CTN) oferece algumas definições, mas é importante notar que esses dispositivos serão alterados pela Emenda Constitucional (EC) 132, que reformula o sistema de tributação no país.
O Imposto de Renda (IR) desempenha uma função fiscal, servindo como uma das principais fontes de receita da União para cobrir as despesas públicas. Além disso, ele exerce uma função extrafiscal, permitindo ao governo intervir na economia, incentivando ou desestimulando determinados comportamentos dos contribuintes.
Atualmente, o direito à isenção do IR é para aposentados, pensionistas e reformados com doenças graves. Sabemos que o IR pode se tornar um peso adicional, muitas vezes em um momento de vida em que o foco deveria estar no bem-estar e na saúde. Reconhecendo essa necessidade, a legislação brasileira oferece isenção do Imposto de Renda para aqueles que enfrentam doenças graves, mas criou uma barreira que lesiona a igualdade e outros princípios ao não considerar a pessoa que é portadora de doença grave, mas encontra-se na ativa, ou ainda, as pessoas que estão na ativa, mas possuem dependentes com doenças graves.
Quando a lei que isenta do IR as pessoas com doenças graves foi elaborada, o então Ministro da Fazenda, Mailson Ferreira da Nóbrega, justificou a medida destacando a importância de um tratamento diferenciado para certos rendimentos, cujo trecho destaco:
"O artigo 6º regula a isenção de alguns rendimentos, cuja natureza econômica ou social aconselha a sua manutenção. A universalidade recomenda incidência sobre todos os rendimentos, mas não impede tratamento diferenciado para alguns deles, pois uma igualdade aparente pode comprometer a aplicação do princípio da capacidade contributiva do contribuinte. A enumeração constante do artigo 6º do projeto é exaustiva. Significa dizer que todos os rendimentos e ganhos de capital são tributados, executados apenas os expressamente ali relacionados."
A isenção foi concebida, em teoria, como uma forma de respeitar a capacidade contributiva dos cidadãos, evitando que a tributação comprometa injustamente aqueles que já enfrentam desafios significativos devido a problemas de saúde. Mas será que as pessoas com doenças graves que ainda continuam a trabalhar, ou ainda, aqueles contribuintes que também estão na ativa, e que possuem dependente(s) com doença grave, tais pessoas não enfrentam desafios relevantes devidos aos problemas de saúde? Sem dúvidas, elas estão no mesmo desafio.
Recentemente, novos projetos de lei têm buscado expandir esse benefício fiscal. O Projeto de Lei 1.227/2019, de autoria da senadora Mara Gabrilli (PSDB/SP), propõe a extensão da isenção de imposto de renda para: a) para os contribuintes que estão ativos no trabalho; b) para os contribuintes que tenham seus dependentes acometidos por doenças graves. Na justificativa da proposição, a senadora escreveu:
“A legislação, atualmente em vigor, isenta do imposto de renda as aposentadorias e pensões decorrentes de algumas doenças graves. No entanto, pessoas acometidas por essas mesmas doenças que permanecem trabalhando não têm direito à isenção do IR. O mesmo ocorre com os trabalhadores ou aposentados que têm entre seus dependentes uma pessoa com alguma dessas doenças. Vê-se, portanto, que inúmeras famílias não têm sido amparadas pela presente isenção. Um exemplo de que temos conhecimento é suficiente para evidenciar a incongruência na atual legislação. Trata-se do caso de um cidadão, servidor público, cuja esposa é tetraplégica. Ela e sua família teriam renda maior na eventualidade de ele estar falecido, visto que os proventos de pensão a que faria jus seriam isentos de IR. Logo, com ele vivo e produtivo, sua renda diminui tendo em vista sua obrigação de recolher o imposto. Amparado nos princípios da razoabilidade e isonomia, o projeto de lei ora apresentado busca corrigir a atual distorção nas regras relativas à isenção por doenças no IR, de modo que os rendimentos dos trabalhadores da ativa portadores de doenças graves e dos contribuintes que tenham dependentes portadores de doenças graves também sejam isentos.”
Atualmente, o projeto acima citado encontra-se parado com o relator, o senhor Senador Wilder Morais, para emitir relatório. Destaca-se que este projeto existe desde 27/02/2019, tendo transcorrido 4 anos sem transformação em lei. Essa demora no andamento do projeto evidencia a necessidade de maior vigilância e participação da sociedade no processo legislativo.
Já o Projeto de Lei 3148/2019, da senadora Rose de Freitas, consta hoje como arquivada. Não se sabe se por algum erro material, processual ou mera ausência de articulação política. Mas nela, constou a seguinte justificativa:
“Ainda segundo a PGR, a utilização do critério de aposentadoria para a isenção do imposto de renda não acompanhou a evolução social, jurídica, médica, científica e tecnológica, não sendo mais condizente com a realidade social. Tal evolução permitiu, em muitos casos, que pessoas, mesmo acometidas por doenças graves, pudessem conciliar o seu tratamento com a atividade profissional. A despeito disso, a permanência em atividade não significa que tais pessoas não sofram de perda ou redução de sua capacidade contributiva e de seu potencial laboral. Além disso, a pessoa acometida de doença grave necessita de maior disponibilidade financeira para arcar com as despesas de tratamentos médicos e terapêuticos. SF/19467.03067-44 Página 3 de 5 Parte integrante do Avulso do PL nº 3148 de 2019. 3 Nesse sentido, considerando que o doente que permanece em atividade enfrenta dificuldades semelhantes às do aposentado, quando acometido da mesma doença, é justo que tenham igual tratamento jurídico.”
É essencial que os cidadãos cobrem e fiscalizem a atuação de seus representantes, como o relator Senador Wilder Morais, para garantir que propostas relevantes, especialmente aquelas que impactam diretamente a vida e a saúde de tantas pessoas, sejam tratadas com a urgência e a seriedade que merecem. A pressão popular e o acompanhamento contínuo são ferramentas fundamentais para evitar que projetos importantes fiquem parados, garantindo que as demandas da sociedade sejam realmente atendidas.
É interessante observar que as regiões com maior incidência de doenças graves, como câncer, também coincidem com áreas de maior arrecadação de IR. Estados como Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, além de capitais como Florianópolis e Porto Alegre, não só concentram os maiores contribuintes do país, mas também registram elevados índices de casos de câncer, de acordo com dados do INCA.
De acordo com o Mapa de Riqueza do Brasil, elaborado pela FGV EPGE, as regiões que mais contribuem para a arrecadação de receitas no país são, em ordem: Brasília (R$ 3.148), São Paulo (R$ 2.063) e Rio de Janeiro (R$ 1.754). Entre as capitais, destacam-se Florianópolis (R$ 4.215), Porto Alegre (R$ 3.775) e Vitória (R$ 3.736). Outros municípios de destaque incluem Nova Lima, MG (R$ 8.897), Santana do Parnaíba, SP (R$ 5.791), São Caetano do Sul, SP (R$ 4.698), Niterói, RJ (R$ 4.192) e Santos, SP (R$ 3.783). Segundo o INCA, os tipos de câncer mais comuns no Brasil são: câncer de mama, próstata, cólon e reto, seguidos por câncer de traqueia, brônquios e pulmão, além de câncer de estômago. As regiões com maior número de casos registrados incluem Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná.
Diante da análise, fica evidente a necessidade urgente de adequar a legislação tributária para que ela atenda às reais necessidades dos contribuintes acometidos por doenças graves, independentemente de estarem aposentados ou ainda na ativa. A isenção do Imposto de Renda para essas pessoas, ou para aqueles que têm dependentes nessas condições, não é apenas uma questão de justiça fiscal, mas também de respeito à dignidade e à qualidade de vida dos cidadãos que enfrentam desafios significativos em sua saúde. A demora na tramitação de projetos de lei que visam corrigir essas distorções é preocupante e exige uma maior participação da sociedade na cobrança por mudanças efetivas.
Além disso, é crucial considerar o impacto dessas doenças e do orçamento público nas regiões que mais contribuem para a arrecadação de Imposto de Renda no Brasil. Os dados mostram uma correlação preocupante entre as áreas de maior arrecadação e as regiões com alta incidência de doenças graves, como o câncer. Como recentemente houve a aprovação da reforma tributária, o momento de debater orçamento e adequação é agora. Atuar neste sentido, reforça a importância de uma política fiscal mais sensível e equitativa, que leve em conta não apenas a capacidade contributiva, mas também as necessidades de saúde da população. A correção dessas distorções não só beneficiaria diretamente os contribuintes, mas também contribuiria para uma maior justiça social e fiscal no país
Para aqueles que se enquadram nas condições estabelecidas pela lei, é fundamental buscar a isenção do IR, garantindo que seus recursos sejam destinados ao que realmente importa: a qualidade de vida e o enfrentamento das doenças. O direito à isenção, ainda com suas falhas legislativas, é uma conquista importante, fruto de uma longa evolução histórica e jurídica, e deve ser exercido com pleno conhecimento e segurança.
Este artigo foi cuidadosamente escrito pela Advogada Tributarista Clivanir Cassiano de Oliveira e não substitui a consulta jurídica específica para cada caso. Para uma consulta detalhada e personalizada, entre em contato com a advogada.
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Referências:
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